Quando cheguei aos aposentos de Holmes no Baker street meu caro amigo estava deitado em sua poltrona em frente a lareira. Com as pontas dos dedos unidas e o queixo afundado no peito, indagou:
“Meu caro amigo Watson, consegue ver por qual motivo uma Bela Dama de ótimo marido e bens financeiros tira a própria vida?”
Não sabia ao certo sobre o que Holmes falava, mas supus que fosse a respeito de um de seus casos com base na pilha de jornais que havia a sua volta. Imediatamente me abaixei e comecei a folhear em busca de um caso semelhante ao que descrevera Holmes.
“Watson, não é a respeito de nenhum desses casos que peço humildemente sua opinião.”
Holmes atirou no chão um fragmento de papel amassado. Ao esticar pude ler a seguinte informação:
Em dois de Abril de 1886 faleceu uma Bela Dama por suicídio. Miss Ângela Waterville tinha um relacionamento conjugal estável com o Conde Waternoon que por sua vez é um homem bom e de muitas posses (...)
“Alguém veio procurar a sua ajuda Holmes?”
“Não formalmente. Recebi uma carta pela manhã dizendo que o Conde Waternoon me faria uma breve visita ás três da tarde.”
Holmes foi interrompido pelo barulho da campanhinha.
“Creio que seja ele.”
Apareceu então um homem alto e forte,de feição rude mas olhar suave. Ele se vestia de forma tanto quanto peculiar,o que já se era de imaginar já que nosso nobre visitante viera da Boemia para fixar-se em Londres. Seu cabelo ruivo era semelhante a chama que se estende na ponta de uma vela. Haviam algumas sardas espalhadas pelo rosto mas que não impediam a visualização de suas feições rudes.
“Mr.Holmes?” Disse confuso, olhando aleatoriamente para mim e para meu companheiro que imediatamente sobressaiu de seus devaneios e foi até nosso visitante com uma de suas mãos estendidas cordialmente para um cumprimento.
“Creio que seja o Conde Waternoon. Muito prazer, eu sou Sherlock Holmes e esse é meu amigo Dr.Watson.”
“O prazer é todo meu Mr.Holmes. Suponho que saiba o motivo de minha breve visita.”
“Superficialmente, conte-me os detalhes.”
“Devo lhe dizer que não me sinto a vontade para te contar os assuntos de minha vida pessoal na presença de outro cavalheiro.”
Percebi que o Conde se referia a minha presença então caminhei para fora de forma que não atrapalhasse os assuntos de meu amigo. Mas Holmes me impediu dizendo:
“Tudo que tem para me contar pode falar na presença de meu amigo Dr.Watson, garanto ao senhor que ele seja bastante confiável e de grande ajuda.”
“Se me dá a sua palavra tudo bem. Vou lhe contar a desgraça que me ocorreu. Creio que saiba que sou um nobre da Boêmia. A situação em meu local de origem não me era satisfatória então resolvi vir para Londres onde encontrei meu grande amor. Conheci Ângela em um jantar na residência de meu amigo Mr.Hudson, No momento que a vi soube que aquela linda donzela seria o amor da minha vida. Uma dama de poucas posses mas de ótima educação era minha amada. Ela trabalhava como monitora em um colégio local,não ganhava muito mas o bastante para levar sua humilde vidinha. Nos casamos em 1881 depois de dois meses de namoro,cinco anos atrás e vivíamos muito bem até agora. Ângela era uma mulher de temperamento doce e bondoso. Quando nos casamos ela deixou seu emprego e seus aposentos para morarmos juntos em uma linda casa que comprei na Vila Dom IV.”
“Há cinco dias notei que Ângela andava bastante preocupada- diferente de seu temperamento doce e despreocupado. Ela passou a sair ás três da tarde todos os dias,Dizia que não se sentia bem dentro de casa e por isso precisava sair para caminhar. Decidi procurar um médico mas ela negava o fato de que precisava de ajuda médica. A cada dia ela voltava mais tarde e mais preocupada. Parecia procurar algo e notei que algumas de suas jóias desapareceram,mas sempre que perguntava o que aconteceu ela fugia do assunto dizendo não sentir falta de nenhuma jóia.”
“Depois de dois dias ela pareceu voltar ao normal. Estava decidida e despreocupada. Voltava toda sua doçura mas mesmo assim me parecia triste. Ela faleceu ontem me deixando viúvo e solitário já que não tínhamos filhos. Exatamente ás oito da manhã encontrei minha amada em nosso quarto estirada no chão. Em uma mão havia uma carta e na outra um frasco de veneno. Não consegui acreditar no que via e quando notei que ela estava morta me deitei no chão ao seu lado e desabei a chorar. Desesperada a criada chamou a polícia que constatou suicídio. Eu li a carta em que Ângela dizia não se sentir bem nessa vida e por isso com um peso no coração tiraria sua própria vida para viver outra. Não entendi muito bem o que ela queria dizer mas na verdade nunca fui capaz de entender as crenças de minha mulher que por sinal acreditava que os bens de uma pessoa morta deveria ser queimado para que assim ela pudesse seguir em paz. Em respeito a isso queimei a carta.”
“Queimou a carta?Como assim queimou a carta?” Holmes deu um salto da poltrona e calmo o Conde respondeu:
“Isso mesmo, queimei a carta em respeito a vontade de minha falecida esposa.”
“Mas ao menos tem certeza de que era mesmo a caligrafia de Miss Ângela?”
“Em absoluto.”
“Pois bem, prometo fazer o possível para resolver o ocorrido, mas até la peço que descanse em sua residência e assim que tiver conclusões concretas tomarei medidas para avisa-lo.”
“Tudo bem Mr,Holmes Agradeço a atenção e esperarei ancioso. Uma boa tarde para o senhor e seu amigo.”
Ele saiu apressado. Holmes sentou em sua poltrona e fumando seu cachimbo parecia refletir quanto ao caso que nos foi dado.
Após duas horas decido que já era tempo de interromper a reflexão de meu amigo.
“Tem alguma idéia sobre o acontecido com o Conde?”
“Não muito concreta.”
Holmes seguiu sem motivo algum para seus aposentos, minutos depois me espantei ao ver um cavalariço de aspecto largado e aparentemente bêbado descer as escadas cambaleando.
“Por favor Watson não me espere para o jantar.”
Sem mais explicações Holmes disfarçado de cavalariço caminhou apressado rumo a rua. Durante o tempo que fiquei só, tentei me distrair com um romance de capa amarela mas as especulações á respeito do misteriosos caso da Bela Dama me atormentavam.
Não soube ao certo há que horas Holmes chegou mas logo pela manhã, na hora do desjejum lá estava ele tão bem disposto como nunca.
“Descobriu algo Holmes?”
“Em absoluto meu caro. Conheci os criados do Conde certamente me disseram que Miss Ângela era mesmo uma ótima mulher, extremamente doce e educada. Sua relação com o Conde era perfeita, uma boa mulher para um bom homem. A situação financeira era estável mas muito boa,como eu já sabia o Conde Waternoon é um homem nobre da Boemia e de muitas posses.”
“E no que isso é novo?”
“Existe sim algo que não sabíamos. Uma das criadas de Miss Ângela afirmou que ela andava se encontrando com um homem misterioso,alto,forte, de expressões marcantes,olhar preciso,lábios carnudos,sombrancelhas grossas,olhos azuis e cabelos escuros.”
“E no que isso nos ajuda?”
“Creio Watson,que ele possa ter uma certa influência sobre o ocorrido com Miss Ângela.’
“Refere-se ao suicídio?”
“Não tenho certeza de que seja mesmo um suicídio.”
“Acredita que possa ser um assassinato?”
“Não. Bom, Watsson tenho assuntos pendentes a serem observados nesse misterioso caso. Convido-o a me acompanhar em uma investigação noturna, peço que leve sua pistola,caso haja algum imprevisto. Apareça no cemitério da cidade ás duas da manhã.”
“Se eu for de alguma ajuda.”
Holmes passou a tarde fora, creio que na residência do Conde. Nos encontramos no cemitério no horário combinado. Holmes carregava uma pá e uma lanterna.
“O que pretende fazer com isso?”
Estava mesmo eufórico de curiosidade mas ao mesmo tempo assustado com a mente revigorante de meu caro amigo.
“Por favor Watson,me acompanhe.”
Caminhamos pelo cemitério escuro até chegarmos em um tumulo com o seguinte letrado:
Jaz aqui nossa linda e doce Ângela Jasmine Waterville. Descanse em paz.
Holmes cavou a terra e com minha ajuda abriu o tumulo que para meu espanto estava vazio.
“O que aconteceu Holmes?”
“Como eu imaginava.”
Ele parecia falar consigo mesmo. Fechamos o tumulo e colocamos de volta em seu lugar. Voltei para minha residência no Baker street enquanto Holmes passou o resto da noite fora.
Holmes chegou de manhã onde enviou uma carta para o Conde convidando-o para uma visita á tarde. Como o combinado o Conde apareceu ás três em ponto, meu amigo pediu q ele esperasse um pouco. Logo em seguida apareceu uma bela mulher, de lábios carnudos e avermelhados,pele extremamente branca e de cabelos negros que caiam sobre ela como uma sombra em contraste com sua pele branca. Seus olhos verdes olhavam com arrependimento para o Conde que imediatamente correu e a abraçou dizendo:
“Ângela! Ângela! Minha linda Ângela!”
Em seguida retirou um saco cheio de jóias e metais preciosos do bolso do casaco. Jogou para Holmes em sinal de gratidão.
Um homem misterioso com características semelhantes as citadas pela criada apareceu na porta. Preocupada Miss Ângela se soltou dos braços do Conde e correu para os braços do homem parado na porta que a recebeu de braços abertos.
“Eu posso explicar tudo David Waternoon.”
“E existem explicações para isso Ângela?”
Holmes e eu caminhamos para fora dos aposentos em forma que o misterioso e recém chegado cavalheiro e Miss Ângela esclarecessem tudo ao Conde, que interrompeu nossa saída dizendo:
“Creio que o que tem para me falar possa ser dito na presença desses dois bons homens que de certa forma me ajudaram bastante.”
“ Se me permite começarei minha narrativa. Esse cavalheiro ao meu lado é ao certo meu noivo passado Gabriel Smith. Bom, como já sabe eu nasci e cresci em Baltimore nos Estados Unidos,o que não sabe é que sou de origem extremamente nobre,vim de uma família muito rica. Pois bem,aos meus vinte anos me apaixonei por Gabriel,um bom homem e tão rico quanto eu. Creio que pela minha beleza e por meu nobre nome fui pedida em casamento por diversos cavalheiros,rejeitando todos fui prometida ao meu amado Gabriel. Enfim eu estava bastante contente e ocupada com os preparativos do casamento. Mas no dia do casamento o coronel Patron, um de meus pretendentes obcecado por mim, apareceu em minha casa e ameaçou a vida de meu amado dizendo: “Minha linda Ângela, sabe que eu sempre te amei mas você rejeitou o meu amor para se casar com Mr.Smith. Ao certo juro que se você se casar com Gabriel ele será um homem morto. Amaldiçôo sua vida por rejeitar o meu amor. Matarei Gabriel Smith com minhas próprias mãos.” Certamente me assustei com ameaça mas soube no exato momento que o coronel seria capaz de tirar a vida de meu amado na forma mais covarde.
“Amedrontada tomei uma decisão. Forjaria meu próprio seqüestro para assim poupar a vida de Gabriel que era orgulhoso o bastante para se recusar se afastar de mim por uma causa,ao conceito dele, extremamente boba.. Com base nos casos policiais que costumava ler, implantei evidencias que levariam a imagem de que fui seqüestrada. Cortei mechas de meu cabelo e mandei em um envelope para meu amado e minha família pedindo uma quantidade de riquezas para que eu fosse libertada. Eu não queria muito,apenas o bastante para que pudesse estabelecer uma nova vida em um local distante do meu país de origem.”
“Como esperado recebi a quantidade desejada mas mandei uma carta para Gabriel dizendo que era tarde demais,pois eu havia morrido no cativeiro por uma infecção gerada por um grave ferimento. Decidi vir para Londres, aluguei um quarto em uma hospedaria com o dinheiro do seqüestro. Estabeleci uma vida boa aqui em Londres e não tive dificuldade alguma em arranjar um emprego de monitora devido a minha ótima educação. Conheci o Conde Waternoon, um homem de extrema bondade que com pouco tempo tornou-se para mim um ótimo amigo. Casamos á cinco anos e vivíamos em perfeita harmonia mesmo não sido nunca apaixonada por ele. Apesar de sermos marido e mulher não conseguia ver o Conde como mais que meu bom amigo.”
“Em um dia como todos os outros eu caminhava pela movimentada rua da Vila negra até que fui encontrada por Gabriel que veio até Londres por motivos comerciais . Expliquei tudo a ele apesar de magoado me convidou para voltar para meu lugar de origem já que o Coronel não me incomodaria mais por estar com câncer. Dividida entre meu amor por Gabriel e meu compromisso com o Conde decidi forjar minha própria morte encenando um suicídio. Me encontrava com Gabriel todos os dias para resolver alguns assuntos e assim encontramos uma forma de que todos acreditassem que eu realmente havia morrido. O meio que achamos foi me arriscar ao beber um liquido antigo de origem egípcia que faz com que os batimentos cardíacos parem por algumas horas e voltem depois.”
“Ao fazer o uso da formula que me foi arranjada cai no chão de meu quarto. Fui velada e em seguida enterrada viva. Quando retomei a conciência estava presa em um caixão. Em estado exausto eu me debatia e chamava por socorro mas logo Gabriel disfarçado de coveiro me retirou daquele abismo do medo . Ainda disfarçado me levou a um quarto de pensão que havia alugado para que pudesse repousar. Viajariamos dois dias depois,na manhã de hoje, mas por azar ou talvez sorte Mr.Holmes nos encontrou na estação minutos antes de embarcarmos. Fomos impedidos de cometer um erro extremamente tolo, ir embora sem ao menos dar satisfações ou desculpas ao Conde que por sua vez sempre foi para mim um bom homem.”
“Desculpe-me David,ao me casar com você nunca tive a intenção de magoa- lo ,pelo contrario,há em mim uma gratidão imensa quanto a bondade que sempre me foi oferecida por você. Os anos que passamos juntos foram significativos para mim mas vejo que agora é a hora de partir e deixar essa vida para viver outra ao lado do homem que sempre amei. Espero que com seu bom coração um dia possa me perdoar.”
Miss Ângela retirou-se da sala junto de seu amado. Espantado o Conde agradeceu ao meu amigo.
“Agradeço-lhe de todo coração Mr.Holmes pela solução desse caso. Me poupou de uma vida de imensa frustração. Espero recompensa-lo materialmente. Providenciarei o restante do pagamento na segunda de manhã.”
Como combinado Holmes recebeu o restante do pagamento prometido. Dois anos depois tivemos noticias de que o pobre Conde Waternoon faleceu por suicídio deixando apenas uma carta para sua amada Ângela:
Minha linda Ângela,
De todo coração digo que nunca deixei de ama-la e nem mesmo fui capaz de esquecer você por um segundo para ao menos pensar em mim. Como poderia eu esquecer a única mulher pela qual daria a minha vida? Que por sinal se decompôs apartir do momento que saiu do meu dia-a-dia. Por isso deixo essa vida para me afogar nas águas da morte enquanto a deriva penso em você.
Eternamente seu, Conde David Waternoon
Autora:Gabriela Resende