O delírio
A história do homem e da terra tinha assim uma intensidade que lhe não podiam dar nem a imaginação nem a ciência, porque a ciência é mais lenta, e a imaginação mais vaga. Enquanto eu ali era condenação viva de todos os tempos, para descrevê-la seria preciso fixar um relâmpago. Os séculos desfilavam-se num turbilhão, e não obstante, porque os olhos do delírio são outros, eu via tudo o que passava diante de mim, desde essa coisa que se chama glória até essa coisa que se chama miséria. E via o amor multiplicando a dor, e via a miséria agravando a debilidade. Aí vinham a cobiça que devora, a cólera que inflama, a inveja que baba, e a enxada a que corrói, úmidos de suor e cobiça; a fome, a vaidade, a melancolia, a riqueza, o amor e todos agitavam o homem, até pouco a pouco destrui-lo.
Autor: Machado de Assis
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